24 janeiro 2010

(Les Herbes Folles, França, Itália, 2009). Muitos já desistiram de compreender Alain Resnais. Há coisas piores, mas imensamente triste. O diretor, com toda a força da palavra, jamais filmou um roteiro próprio, lançando, assim, aos olhares tradicionalistas, uma certa aversão por seu trabalho de ressignificação de cada imagem que escolhe transplantar em sutilezas, destrinchar anormalidades em encantamento. Não é à toa que seu cinema confronta com a convenção da narrativa fluida e previsível. O conceito de perfeição entra na reta das críticas que ignoram a incorrigibilidade de Resnais diante da subjetividade. De Ano Passado em Marienbad (1961) a Medos Privados em Lugares Públicos (2006), suas obras entram nesses méritos descartáveis, pela busca inútil por sentidos, enquanto disperdiçam a oportunidade de aproveitar uma das coisas que melhor Resnais oferece: sentir.

Em Ervas Daninhas, o fôlego do espectador vem, se esvai, mas se renova. Dois personagens são suficientes para eclodir sensações que correspondem a um estranhamento saudável, que faz crescer a história do relacionamento (entre aspas, seguido de interrogações e exclamações) de George e Marguerite. Nada é entregue de imediato. A personagem da ótima Sabine Azéma é revelada aos poucos. Conhecemos seu cabelo desgrenhado, seus pés, seus sapatos, sua carteira, sua foto 3X4 e, em paralelo, o que seus vestígios documentais despertam em George (André Dussolier).

Enigmaticamente o homem encontra sua carteira roubada e passa a querer desvendar o que Resnais apresenta em camadas. Descobrimos seu amor pela aviação, seu jeito apático, sua profissão de dentista, sua inclinação pela atenção de George, que também se revela sensível, pai, marido, enigmático e apaixonado. Suas atitudes, embora sejam doentias, aos poucos desmentem patologias. Marguerite é a explicação.

Desprendimento e liberdade guiam a direção de Resnais para contar um trecho das vidas de dois personagens que sugerem partir dos mesmos conceitos para intensificar sua união. É um filme de momentos, que culminam em debochar da velocidade e dos símbolos do amor. Um amor que se espalha e cria raízes tal ervas daninhas. Um amor que cresce dentro e fora do filme.

22 janeiro 2010

(Where the Wild Things Are, EUA, 2009). É comum ouvir em qualquer idade que isso ou aquilo pode ser meramente fruto de nossa imaginação - conceito deveras adversativo, uma vez que a realidade normalmente, ou estranhamente, passa a ser aquilo em que mais acreditamos. Aproveitar essa tensão para traduzir em imagens e textos foi o feito de Maurice Sendak em Where the Wild Things Are, livro que prima por ilustrações simples para contar em poucas frases a história do menino Max Records, que sob a lente de Spike Jonze assume uma personalidade bastante agressiva.

Por adaptar o clássico, o diretor dessa vez ficou distante de um roteiro escrito por Charlie Kaufman, embora, nem mesmo assim, se mantivesse distante de suas influências no filme, e isso é bastante perceptível. Seja pela forma de olhar para dentro da imaginação do garoto, seja pela forma de conduzir o filme em momentos de ação. Não à toa, Onde Vivem os Monstros se constitui de um ponto de fuga, algo constante nos filmes de Kaufman e Jonze.

O diretor, aqui, valoriza a visão fria e distorcida de Max. Um ar de vilania toma conta dos personagens à sua volta, justificando suas atitudes passionais. Até que num lugar distante, onde ele vai parar depois de fugir de casa, descobre uma comunidade de monstros com hábitos semelhantemente esquisitos, carentes e que, devido às dimensões das criaturas, são também agressivos.
Acompanhar isso é, em consideráveis poucas partes, uma experiência imersiva bastante agradável. O problema é a extensão. Jonze evidencia sua peculiaridade na direção de videoclipes e atribui ao longa uma experiência tal como nesse tipo de trabalho. O resultado é um tanto entediante, já que cenas se alongam em repetitivas brincadeiras entre os personagens.

A relação de Max com a selvageria é instável. Os monstros exigem dele uma maturidade ainda não conquistada e, por isso, fingida. Seu reinado termina quando a constatação de que não pode cuidar e, sim, de que precisa ser cuidado. Então, Max à casa retorna, parecendo estar disposto a ser um bom filho. E se alguns desenlaces da história confirmam a informação de que Onde Vivem os Monstros não seja diretamente voltado para o público infantil, a forma como Jonze se alonga em cenas musicadas desmente isso. Falo de efeitos.

21 janeiro 2010

(Sherlock Holmes, EUA, Inglaterra, Austrália, 2009). Transformar o clássico personagem inglês num ágil aventureiro não foi uma opção acertada de Guy Ricthie. Sherlock Holmes claramente tenta fisgar o espectador com cenas de ação. Lutas, quedas em iminência e fugas fazem o filme ficar desatento a uma velha fórmula que poderia torná-lo muito mais interessante: captar o espectador como testemunha simultânea das descobertas do detetive ou, ao menos, dar pistas para que a sessão não seja uma mera observação do desvendamento final de casos por parte de Sherlock. Criar suspense, sabe? Ignora a inteligência, em prol da sobressaltante esperteza do personagem, e não dá chances à interatividade: chato.

20 janeiro 2010

(Up in the Air, EUA, 2009). Em Amor sem Escalas, a história é só um pano de fundo para Reitman trabalhar aflições e contradições dos personagens. Todos buscam a felicidade, tanto no campo profissional, como no amoroso. Os mesmos campos da vida de Ryan serão perturbados por duas mulheres. Clooney mais uma vez dá as caras como um solteiro convicto, mas Alex (Vera Farmiga), o desestabiliza da pose de intocável pelo amor. E Anna Kendrick, em ótima atuação, faz o mesmo, mas quanto ao seu trabalho como executivo que faz demissões como serviço terceirizado por empresas de todos os EUA. Por isso seu lar é o ar.

Particularmente, não aprecio os trabalhos de Jason Reitman. Porém, confesso que, no bom sentido, o diretor me incomoda, por sugerir uma boa dominação de cenas por sua direção fluida e dinâmica. Mas sua tendência em utilizar a inteligência e sagacidade dos personagens como elementos para torná-los anti-heróis carismáticos cria a dúvida: se hoje seus filmes ganham reconhecimento por concessões como essa ou se Reitman nessa ação se encerra - não capaz o suficiente para passar de um simples diretor de comédias ágeis, calcadas em diálogos, paralelizando tenuamente dramas mornos. Amor sem Escalas reafirma essas características e endossa a questão.

17 janeiro 2010


(idem, Brasil, 2008). Mais conhecido por sua obra, Humberto Teixeira tem sua vida e seu legado musical esmiuçado num dinâmico show à parte de artistas de referência da música brasileira. Tudo para provar que seu nome está muito acima de qualquer ausência de reconhecimento imediato, embora o próprio não se incomodasse de viver às sombras. Feito para empolgar, O homem que engarrafava nuvens evidencia a figura do parceiro de Luiz Gonzaga na composição das famosas Asa Branca, Qui nem jiló e Baião e, a partir disso, delineia sua trajetória com muita música para atingir seus objetivos de imersão. CONTINUE LENDO

15 janeiro 2010

(Lula, O Filho do Brasil, Brasil, 2009). Me chama a atenção a forma como críticos têm lidado com o estado de saúde do diretor e suas opiniões em relação ao longa: anunciam-se em tom culposo antes de exporem avaliações negativas. Assim, penso em que tipo de relação se pretende criar com os que estão vivos. Agora, quanto ao burburinho sobre Lula, O Filho do Brasil, mais do que compreensível havê-lo antes da estreia e, sim, mesmo antes do acidente.

Sabemos, pois, ou deveríamos saber, o quão rica é a vivência e relevância histórica de Lula a ser explorada como elementos sujeitos. Porém, no filme de Fábio de Barreto, o personagem do presidente pernambucano fica extretamente aquém do mínimo esperado. O filme mostra o nascimento do engajamento político de Lula como modo de atender basicamente aos seus interesses pessoais. O disfarçado aprofundamento na vida sindicalista de Lula aparece somente em cenas de palanque.

Ademais, momentos mais intimistas destacam sua mãe, interpretada por Glória Pires. Seus conselhos e força para lutar reforçam o disfarce. Superficial em se tratando de quem é. Apelativo, pela forma. O drama com final emocionante, aqui, perde o valor se tudo o que menos se atém é à memória. E se este ainda é um dos poderes da arte do cinema, Lula, O Filho do Brasil está distante demais de alcançar seu objetivo de virar referencial.

04 janeiro 2010

Os melhores do ano

Não tento afirmar nenhuma verdade, apenas exponho minhas idiossincrasias nesta lista definitiva dos melhores do ano que passou. Um ano cinematograficamente ótimo e ao mesmo tempo fraco. Numa breve análise, só penso em relatividade. São bons filmes, mas, a maioria, não é comparável a obras-primas do cinema. Talvez a exceção seja Aquele Querido Mês de Agosto, que, por toda a sua inventidade, escape dessa tênue linha do que pode ser bom, se comparado fora deste ano em que a expectativa de sair do cinema satisfeita foi raras vezes atendida.

Mas eis minhas boas sessões de 2009:


10.A Troca | Clint Eastwood

Clint Eastwood é aqui correto. Bem conduzida, a história protagonizada por Angelina Jolie evolui de drama a suspense om uma sutileza que só uma boa direção consegue alcançar.


9.Valsa com Bashir | Ari Folman

Dá até um certo alívio não assistir cenas reais dos conflitos em solo libanês. Por isso, a animação intensifica a captação para o inconsciente virtual do personagem. Memórias que fluem bem até o momento em que a última cena revela que a realidade é dura demais para ser romantizada.

8.Inimigos Públicos | Michael Mann

Intenso e ágil, o filme funciona bem. Discordo de quem diz que o filme é forçado.


7.Aquele Querido Mês de Agosto | Miguel Gomes

Nunca presenciei uma sessão em que tanta gente desistisse e abandonasse a sala em menos de 30 minutos de filme. A cada saída, o filme me interessava ainda mais e não deu outra: fui conquistada pelo humor de Aquele Querido Mês de Agosto. Mais do que mesclar ficção no documentário, o filme se sobressai pela fuga da inércia do gênero.


6.Moscou | Eduardo Coutinho

Diretor de conceitos, acima de tudo, Coutinho estende o pano de Jogo de Cena e arma o espetáculo de Moscou. Discussões semelhantes ao primeiro são levantadas neste último, que problematiza o real mais uma vez. Talvez um pouco duro demais se descontextualizado dessa siginificação de complementaridade.


5.Deixa Ela Entrar | Tomas Alfredson

Assisti este daqui degustando cada detalhe que nem percebi que era terror. Acho exagero ser considerado o melhor do gênero de todos os tempos, como muito se comenta por ai, mas reconheço o encantamento pela forma com que o vampiresco se torna poético. Sem superestimá-lo, Deixa Ela Entrar tem umas imperfeições meio decepcionantes, mas compensadas pela melhor cena do ano:

http://www.youtube.com/watch?v=ZuBfmX3VBCE

4.Entre os Muros da Escola | Laurent Cantet

Adoro como a lente realista do diretor joga na cara de outros filmes que tentam fazer o mesmo para convencer com verossimilhança roteiros fracos. Reflexivo, Entre les murs, no original, é objeto pedagógico de primeira, sem burocracias sociológicas.

3.Bastardos Inglórios | Quentin Tarantino

Não há muito o que reclamar se a queixa refere-se aos excessos. Em se tratando de Tarantino, a História é invadida por uma licença póetica super empolgante.

2.Amantes | James Gray

O filme mais "ame ou odeie" da lista precisa de uma boa justificativa para aparecer em segundo no ranking. Talvez não consiga convencer a muitos de que o filme é bom por motivos simples, mas me indigno quando não reconhecem a forma com que os clichês neste filme saltam para outro nível e se fazem necessários para se chegar ao final feliz paradoxalmente angustiante.


1.Gran Torino | Clint Eastwood

Flui entre a evolução constante de humor-ironia-tensão, saltando aos olhos reflexões sobre a América madrasta má de etnias e grupos à margem social. Simplicidade para reforçar tradicionalismos, multiplicidade para tensionar estereótipos. Clint Eastwood vem com Gran Torino para nos lembrar o que é o velho e bom cinema, com roteiro e direção de qualidade, e, ainda, com interpretação enérgica. Sinto-me livre para dizer que Gran faz o meu tipo favorito de 'filme de ação' (referente ao espectador ativo) – quem assiste passivamente sai perdendo.