(Un Conte de Noël, França, 2008). Silêncios preenchidos por olhares, diálogos curtos e secos entre uma família que se reúne desde antes o 25 de dezembro dão o tom de Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin. A data é ressignificada ao tematizar conflitos entre irmãos, primos, pais e filhos, num jogo de cenas fluidas que levam a todos a pensar que, apesar de tudo, há um problema maior: o câncer de Junon.
Desplechin tem uma minuciosa direção de cenas e principalmente o cuidado de destacar nuances do bom elenco. Destaque para a interpretação de Catherine Deneuve. Sua personagem Junon tem um ar de superioridade matriarcal, de uma mulher que beira a imponência, mas sem ser rude ao extremo. Também não passam despercebidos Mathieu Amalric, que interpreta o filho malquisto Henri, e Jean-Paul Roussilon, com Abel, personagem-dosagem para as inconstâncias internas dos outros.
Sem apelos ao suposto drama da doença, a história tem substância, charme, humor, como no momento em que Funia, a namorada de Henri (interpretada por Emmanuelle Devos) chega a casa e lhe atribui mais uma atmosfera de indiferença explícita a partir de diálogos que Desplechin não deixa cair em tom absurdo, tal como "Eu tenho câncer", "Eu sei (sorriso no rosto)". Ou ainda, quando, com naturalidade, mãe e filho admitem que não se gostam.
Há também crianças, do modo espertinhas e fofas a conversar com os adultos problemáticos. Não há exagero em categorizá-las num ritual de compensação à tensão provocada pela compatibilidade de medula do neto esquizofrênico, frente à mesma condição de Henri, que manifesta sua apatia ao se referir ao menino como "louco".
Escolher o natal para mostrar as imperfeições de uma família deu certo com Desplechin, com Selton não, mesmo com um roteiro arriscado de subtramas que são trazidas à tona durante as duas horas e meia de filme; mesmo com cortes e cenas que vez ou outra soam esquisitos; mesmo sendo feito (ou 'até porque é') para ser visto e revisto. E se já usei a palavra 'atmosfera', fico à vontade para empregá-la mais uma vez ao me referir a Um Conto de Natal, que nos dá a boa sensação de assistir a um filme diferente, acertado e coerente ao construir uma atmosfera sinestésica, sem ficar a parte do tal espírito natalino.
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