23 junho 2009


(Welcome, França, 2009). O título Bem-vindo sugere de imediato um tom esperançoso que permeia todo o filme, embora acompanhar as travessias do refugiado curdo na França seja triste; por isso, se tivesse que apontar uma aparência para definir a história, a trataria de 'abatida'. A motivação de Bilal (Firat Ayverdi), o jovem que sofre as restrições da pobreza e da ilegalidade, compõe um conto sobre tentativas, e, assim, temos um roteiro realista nas mãos de Philippe Lioret (Não se Preocupe, Estou Bem!, 2006). Sua direção é sugestiva em alguns momentos, por ações fora de quadro ou saltos de narrativa. Mas, no geral, simplória, funcionando muito bem para valorizar o conteúdo, que precisa desta simplicidade em todos os aspectos de linguagem para não afundar o filme num poço melodramático; porque Bilal é o personagem sofredor, mas bem dosado também pela imaturidade e por seu aparente abobalhamento. Ao desejar reencontrar a mulher que ama tentando atravessar o Canal da Mancha a nado, torna literal o olhar para o horizonte. Expectativas em foco, esperança pelo caminho, decepção por fim: elementos que dão solidez como pano de fundo ao filme que fala de imigração, junto à amizade e cumplicidade do professor de natação, interpretado por Vincent Lindon. Dá para hesitar em afirmar ser um filme 'bonito', mas pelo o que disse neste parágrafo, também dá para ficar no 'ou não'.

07 junho 2009

Pequena nota: 2 em 1

Não cheguei a comentar sobre O Casamento de Rachel [Jonathan Demme, 2008], pois desde que assisti, há uma queda de opinião, outrora positiva. O mesmo vem acontecendo com 3 Macacos [Nuri Bilge Ceylan, 2008]. Ambos, agora vejo, adentram a mesma categoria: a de filmes que se esforçam para se diferenciarem na linguagem e acabam por se desinteressarem pelos significados. A consequência já é conhecida: tédio.

Gosto pessoal à parte, a questão é até que ponto a forma salienta o conteúdo nesses filmes. Elementos gratuitos? Fazer por fazer? Parecem estar confusos com a proposta de cinema autoral defendido por diretores da Nouvelle Vague. A técnica era realmente mais valorizada, a fim de permitir o reconhecimento de elementos formais como característicos de um determinado cineasta. Mas, né, os exemplos para representar essa onda de pensamento da metade do século XX não são ínfimos: Godard, Truffaut...

E o que há de errado com os trabalhos de Ceylan e Demme nesses dois filmes? A supervalorização da técnica como se fosse a responsável pelo filme em si. Demme em O Casamento de Rachel traz uma câmera trêmula e intimista. Tudo bem, se não extrapolasse na vontade de transmitir veracidade, em sequências longas e cenas desnecessárias. Desperdício, muitos supérfluos. A história é legal, mas imagino como teria sido melhor se a direção de Rachel Getting Married, no original, ficasse nas mãos de Ceylan. As vantagens seriam as elipses, maior economia de cenas.

É que em 3 Macacos a economia é o ponto-forte. Mas de tão econômico cai na contradição de abusar dos silêncios. Pode ser por um ritual compensatório: 'não mostro isso para sobrar espaço para mostrar aquilo'. O problema é o aquilo ser bem menos interessante do que o implícito. Dou meu tudo-bem para esse aspecto até o momento em que percebo que faz parte da trama. Porém, começo a perceber que a gratuidade desse modo de contar história esbarra no muro do pedantismo, não? 'Necessário' e 'Interessante' poderiam ser as palavras-luzes para estes que nestes pecam pelo excesso ao tentar fugir dos clichês. Não é um apelo ao convencional, mas sim, um pedido pela melhor dosagem de riscos. Corram-nos, mas pensem no tempo.


(Stella, França, 2008). Stella tem humor, mas peca ao tentar ser de fato engraçado. Tem ironia, mas não convence muito bem quando tenta ser irônico: tudo fica bem melhor quando deixado por conta da naturalidade. E esses são meros detalhes que não desmontam o filme à inferioridade antevista no trailer, esse sim, peça de impressão errônea sobre o trabalho da diretora Sylvie Verheyde. Por se tratar de uma cineasta não muito conhecida, somado à sinopse e ao trailer, o público em potencial de Stella pode ser afugentado pelos elementos que enfatizam ser mais um filme sobre uma menina em conflitos pré-adolescentes.

Vemos esses conflitos pelas narrações em off da personagem principal, mas numa profundidade bastante diferente da superficialidade aparente. Leora Barbara, a atriz que interpreta Stella, é o ponto-chave para toda a leveza que perpassa melancolia, respira nostalgia e não deixa o romantismo de lado, aliado à mise-en-scène da diretora. O peso da expressão 'abuso sexual infantil' é maior que a própria cena que implicita tal ação, por exemplo.

Ganha pontos por ser leve e efêmero, devido aos cortes que impedem o aprofundamento em cenas de maior teor dramático. Isso permite um equilíbrio entre lentidão e agilidade, sem extremos, para lidar com a boa quantidade de pequenos acontecimentos. As músicas compõem uma trilha sonora de tom debochado e condizente com a idade e a época vivida pela menina que detesta a vida dos outros, além da própria: um contraponto, por fim, entre novo e ultrapassado. Sem muita frescura, é filme para gostar de assistir.

02 junho 2009

SEM IMAGEM


(Garapa, Brasil, 2008). Veja, em qualquer um dos cantos da tela, e entenda, as dezenas de moscas por cima das crianças, a mula, os baldes, a terra seca, as plantas murchas, as cercas de arame, as roupas estendidas, os banhos, os panos no chão, as feridas, as ferrugens, a sujeira; e se depare com nudez, inocência, embriaguez, raiva, tristeza, vazio.

Vazio: sensação que nos passam as frases de Josué de Castro e os dados da ONU sobre fome no mundo. José Padilha nos mostra em preto-e-branco, com imagem granulada, coisas que pertenceriam facilmente a cenas de séculos passados. Os cortes pouco interferem na assimilação de que todas aquelas famílias sejam encaradas como uma única a sofrer pelos mesmos males.

A imersão no documentário Garapa ocorre com certo peso pela proximidade da lente, que não pretende passar normalidade. Vez ou outra o silêncio é interrompido por uma conversa entre marido e esposa, mãe e filhos ou enfermeira e paciente. O diretor também se atreve em perguntas para responder o que pessoas alheias àquela realidade gostariam de saber. Garapa tem uma câmera um tanto atenciosa aos detalhes. O foco são três famílias, suficientemente o bastante para entendermos que fazem parte de um todo. O que eles têm a falar estão no mesmo nível de importância do que aparece em torno de seus rostos e corpos nos enquadramentos.

Vejo a maior relevância de documentários em geral no tema. No caso de Garapa temos um que é encarado como previsível para muitos, e por isso o filme em si pode ser menosprezado. Temos a fome destrinchada plano a plano para compor uma linha de raciocínio que termina num ponto de interrogação ou reticências. E está aí a polêmica do que é novidade ou não, do que ainda existe e não deveria existir, da ignorância interna e externa à dura vivência. Para a senhora que saiu da sessão dizendo "isso tudo é a cultura deles", só me resta lamentar por sua frase representar a cultura dela. Quem prefere garapa (água com açúcar) a leite e comida?