02 junho 2009

SEM IMAGEM


(Garapa, Brasil, 2008). Veja, em qualquer um dos cantos da tela, e entenda, as dezenas de moscas por cima das crianças, a mula, os baldes, a terra seca, as plantas murchas, as cercas de arame, as roupas estendidas, os banhos, os panos no chão, as feridas, as ferrugens, a sujeira; e se depare com nudez, inocência, embriaguez, raiva, tristeza, vazio.

Vazio: sensação que nos passam as frases de Josué de Castro e os dados da ONU sobre fome no mundo. José Padilha nos mostra em preto-e-branco, com imagem granulada, coisas que pertenceriam facilmente a cenas de séculos passados. Os cortes pouco interferem na assimilação de que todas aquelas famílias sejam encaradas como uma única a sofrer pelos mesmos males.

A imersão no documentário Garapa ocorre com certo peso pela proximidade da lente, que não pretende passar normalidade. Vez ou outra o silêncio é interrompido por uma conversa entre marido e esposa, mãe e filhos ou enfermeira e paciente. O diretor também se atreve em perguntas para responder o que pessoas alheias àquela realidade gostariam de saber. Garapa tem uma câmera um tanto atenciosa aos detalhes. O foco são três famílias, suficientemente o bastante para entendermos que fazem parte de um todo. O que eles têm a falar estão no mesmo nível de importância do que aparece em torno de seus rostos e corpos nos enquadramentos.

Vejo a maior relevância de documentários em geral no tema. No caso de Garapa temos um que é encarado como previsível para muitos, e por isso o filme em si pode ser menosprezado. Temos a fome destrinchada plano a plano para compor uma linha de raciocínio que termina num ponto de interrogação ou reticências. E está aí a polêmica do que é novidade ou não, do que ainda existe e não deveria existir, da ignorância interna e externa à dura vivência. Para a senhora que saiu da sessão dizendo "isso tudo é a cultura deles", só me resta lamentar por sua frase representar a cultura dela. Quem prefere garapa (água com açúcar) a leite e comida?

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