25 fevereiro 2011

Poesia

(Shi, Lee Chang-Dong, 2010). Uma história trágica se torna inspiração para a criação poética de Lee Chang-Dong (Sol secreto, Oasis), neste filme que testemunha a dor em duas circunstâncias na vida de Mija, uma sexagenária com poucas condições de vida: o desgosto provocado pelo filho envolvido na morte de uma colega de classe; e o expoente artístico, que surge a partir de um interesse em olhar o mundo com a sensibilidade necessária para se fazer poesia. Com atuações comedidas, o filme toca em pontos de conflito interior da personagem. O enredo de Chang-Dong lembra o longa mais recente do compatriota Bong Joon-ho, Mother – a busca pela verdade, que também centraliza a história de uma senhora mãe solteira com um filho envolvido num assassinato.

Mija vive em um ambiente de perturbações constantes e, mesmo assim, as enfrenta com serenidade. Por isso, o tom do filme por vezes se torna irregular. Em alguns momentos, as cenas provocam riso, estranhamento, comoção ou simplesmente indiferença, já que o diretor segue uma linha muito mais próxima da contemplação, do que da ação em si. A mulher vive apenas com o filho, apático, mal-educado. E o descontentamento da mãe com o comportamento do garoto prevê a trama desde o início: junto a outros amigos, ele violenta uma jovem do colégio até a morte e joga seu corpo no rio que corta a cidade. Os parentes da menina exigem uma indenização para os pais dos garotos e Mija é a única que não pode contribuir com sua parte. Para reverter essa situação, tenta superar as dificuldades da sua idade e passa a trabalhar na casa de um velho aposentado, com quem acaba tendo, forçosamente, uma esdrúxula relação sexual.

Em paralelo às desgraças, Mija faz um curso de poesia. Poderia se pensar que nas aulas ela extravasaria todos os sentimentos que lhe afligem. Contudo, acontece exatamente o contrário. Mija tem uma enorme dificuldade em se expressar em versos e, durante quase todo o filme, ela tenta disfarçar sua função de apenas ouvinte. Mas as tardes no curso são agradáveis, na companhia de quase-poetas. Diante da habilidade dos outros, Mija passa a se dedicar mais aos exercícios propostos. Seu professor lhe sugere que atente mais para a beleza das coisas, dos acontecimentos, que enxergue além da casca e da cor de uma maçã por exemplo.

Mas é olhando para a própria vida, que a personagem consegue a inspiração para escrever o primeiro poema. Antes de tudo, busca vivenciar com intensidade, experimentar, e evolui para um entusiasmo criador que permite um nascente estado da arte. Essa experiência se resume a visitar a ponte de onde a jovem foi lançada, conhecer sua família, ir atrás de pistas que desvendem sua morada no mundo. Assim, elabora versos comoventes recitados no último dia de aula em celebração à vida, como uma reza sobre a existência. Chang-Dong parece nos dar uma fórmula para os problemas: a redenção aos encantos que sobrevivem na dor e sugerir que poesia tem sobrenome melancolia.

20 fevereiro 2011

Cisne Negro

(Black Swan, 2011). Apesar de ser uma dançarina exemplar, de gestos perfeitos e precisos, Nina só é capaz de interpretar o cisne branco. Isto porque lhe falta a intensidade do animal negro: malícia, sexualidade, menos perfeição e mais transcendência (tudo o que o filme não tem). Assim, Black Swan é basicamente um filme sobre a libertação de uma jovem que para atuar bem em seu papel dúbio, precisa recorrer a experiências subversivas na sua pacata vida real. No auge do clichê, Darren dá a fórmula: sexo (homo e heterossexual), drogas, alucinações, mãe repressora, professor autoritário. Uma panaceia geral.

Com tantos desafios a superar dentro e fora do palco, a paranoia também surge em relação a  uma outra bailarina, que contrastantemente  cai muito bem no papel de cisne negro (e por todas suas características, fica implícito que o cisne branco também  não combina com ela). Quando cai nessa de precisar se tornar um cisne negro na "essência", o filme parece propor uma briga tosca entre o "eu" e o "eu mesma" da personagem, que, em suma,  precisa superar isso acima de tudo. Cria um dilema conhecido tal como nós-somos-nossos-próprios-inimigos etc. Daí, apelar para a automutilação é um pulo.

Mas, tecnicamente bom, Black Swan só não é um fiasco por suas cenas de dança. Mais do que um balé filmado, as cenas em cima do palco fazem jus ao que poderíamos chamar, apenas por uns breves momentos, de "cinema sobre balé". Cortes dão fluidez à cena do espetáculo. Nestes instantes, o espectador do cinema tem uma posição privilegiada em relação ao espectador do balé.

E embora isso pareça a originalidade do longa de Aronofsky, a partir dos primeiros minutos vêm à cabeça toda a história de Sapatinhos Vermelhos (1948, Michael Powell e Emeric Pressburger), baseado no conto de Hans Christian Andersen. Esse filme, com um final  realmente estarrecedor, também mescla as histórias da bailarina ao da personagem do espetáculo. Com inspirações claras, logo Black Swan dá as pistas de um final puramente previsível. De qualquer forma, para quem não assistiu ao filme de 48, dá para se surpreender com o final cheio de artifícios.