(continuação When I was a child)
(Feliz Natal, Brasil, 2008). Do aspecto um tanto pueril da relação crítico-espectador com o filme, não próximo do clichê "crítico é um cineasta frustrado" e nem tão distante do popular "se sabe, então faça melhor":
Quero dizer que Selton Mello entrou nesse espírito em sua estréia como diretor. Em Feliz Natal senti a ansiedade de um bom ator em realizar algo que correspondesse as suas próprias expectativas (coisas de gosto pessoal), embora a experiência deixe alguns vestígios de um cinema incompleto e de pouca maturidade.
Desde o início do filme os planos incomodam visões acostumadas com campos limpos. A câmera passeia por detrás de objetos com a naturalidade de um ator disposto a inovar — correr riscos: pequena herança do filme-orgulho O Cheiro do Ralo? Do mesmo modo, cria situações em ambientes fechados com planos contidos em rostos e mãos: características típicas de uma inquietação cinematográfica.
E se precisamos falar do maior erro de Feliz Natal, este cabe aos roteiristas (o próprio Selton e Marcelo Vindicatto). A trama se mostra fraca com personagens explorados pelas imagens em alguns momentos bem fotografadas (Lavoura Arcaica também ecoando?), mas pertencentes a um enredo perdido.
Leonardo Medeiros faz Caio, dono de um ferro-velho imageticamente bem explorado. O local funciona como metáfora de sua presença incômoda aos familiares na noite infeliz.
“Ferro-velho?!”. Esta é a reação de quem lhe ouve dando notícias de uma vida pacata, a qual observamos pela janela de sua casa sob cortinas que não nos impede de perceber os cuidados da esposa a um marido perturbado por uma morte acidental. Pelo contrário, só atrapalha. Perturbação também ilustrada por amigos da antiga o carregando para a farra, ida ao cemitério e alucinações em ruas desertas.
Além disso, com a família que passa o natal pelos cômodos da casa ocorrem situações individuais e ao mesmo tempo coletivas de sofrimento e infelicidade, ora de quem vive, ora de quem observa. As crianças parecem estar um tanto alheias a essa desarmonia. E ainda posso falar da anêmica atuação delas em diálogos também medíocres.
Darlene Glória como Mércia ocupa a tela com movimentos corporais numa dança nervosa de dedos , copos e tecidos, ao som de uma trilha monótona e desesperada pelos pontos altos dos closes. De Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under the Influence, 1974), de John Cassavetes, Feliz Natal poderia ter mesmo refletidas as influências da interpretação de Gena Rowlands, se não fosse o pecado do excesso na combinação entre trilha sonora, fotografia, decupagem e edição.
Mas é bom evidenciar que a referência a Cassavetes não é clara em Feliz Natal. Selton apenas declarou em entrevistas que foi deste diretor os filmes que recomendou aos atores, também livres para improvisações.
Outra influência bastante citada desde a pré-estréia de Feliz Natal é a diretora argentina Lucrecia Martel, dos filmes O Pântano (La Ciénaga, 2001) e A Mulher sem Cabeça (La Mujer Sin Cabeza, 2008). Esta comparação estaria um pouco mais clara em relação à composição e à temporalidade das cenas de O Pântano. Mas, o primeiro filme de Selton ainda está distante de alcançar o magistral primeiro longa-metragem de Lucrecia.
Logo, sinto que Feliz Natal antevê filmes mais bem acertados de um Selton que está se preparando a não seguir convenções e a se diferenciar. Pena mesmo que em 2008 ainda não tenha feito as melhores escolhas para fazer o que ele sabe que é bom.
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