16 janeiro 2009

Ri. Por quê?

(Rumba, França, Bélgica, 2008). Antes de Rumba, não me recordo de outra sessão de cinema em que eu tenha tido vergonha do meu riso. Não falo de riso involuntário, mas de um riso quase do inconsciente de uma comédia que lembra as clássicas gags de Chaplin, possui trejeitos da série mexicana Chaves e é comparada com Mr. Bean. Mas é válido enfatizar: Rumba só lembra tudo isso porque tem um ingrediente a menos (ou a mais) que o torna um filme estranho. Mas estou sempre revendo minha opinião sobre. Hoje, o considero bobo, com doses de amoralidade, e que erra no controle do tempo das piadas. Sim, poderia ter bem menos que 77 minutos.

Nas primeiras cenas, Rumba dá a impressão de que será todo ele calcado em diálogos interessantes e engraçados. Mas logo quando corta para Fiona e Dom dançando ritmo latino no estilo Deborah Colker, o espectador passa a se perguntar que tipo de filme está assistindo. Para maior desconforto, os dois entram no carro com um chroma key mal feito ao fundo (propositadamente espero eu), e a partir daí conseguimos entender qual será o tom do que há por vir.
Gestual, Rumba traz ações com poucos diálogos de personagens atrapalhados em situações previsivelmente cômicas, como uma mulher perneta que se desequilibra para pegar um giz no chão. Há ainda crianças socadas no rosto pelo professor de educação fisíca — as mesmas que o acompanham para uma cerveja no bar —, pausas para as danças, e novamente a bizarrice de uma perna de madeira que queima na fogueira por um descuido da mocinha que ouve o amado tocando Sea of Love. Bom avisar, sem muito exagero, que aquela velha culpa de rir do sofrimento alheio e do retardamento mental pode surgir aos mais sensíveis.

Fora isso, os atores Fiona Gordon e Dominique Abel (também roteiristas e diretores) enriquecem as cenas pela interpretação expressiva e pela afinidade que transparecem, além da semelhança física. O resto fica por conta do exotismo de algumas cenas da comédia, com montagens do casal dançando sobre o mar, ou no jogo de sombras também dançantes (imagem ao lado e abaixo): brincadeiras aceitas pela liberdade da representação do desejo. Assim, Fiona, Abel e Bruno Romy divertem-se com o filme, deixando a curiosidade de assistir ao L'Iceberg, de 2005 dos mesmos diretores —, para que possamos saber se Rumba é fruto de um estilo do trio quase-nonsense.

Rumba
Comédia, 77 min
Diretores: Dominique Abel, Fiona Gordon, Bruno Romy
Roteiristas: Dominique Abel, Fiona Gordon, Bruno Romy
Elenco: Dominique Abel, Fiona Gordon, Bruno Romy, Clément Morel, Philippe Martz

11 janeiro 2009

Os filmes mais bem editados de 2008












Dziga Vertov me inspira (precisava na verdade de um motivo para citá-lo no blog). Os filmes listados abaixo não deixam de fazer o mesmo. Eis o ranking:



1. Não Estou Lá (I’m Not There, Todd Haynes, EUA)

2. Pan-Cinema Permanente (Pan-Cinema Permanente, Carlos Nader, Brasil)

3. Procedimento Operacional Padrão (Standard Operacional Procedure, Errol Morris, EUA)

4. Paranoid Park (Paranoid Park, Gus Van Sant, EUA)

5. Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (Before the Devil Knows You're Dead, Sidney Lumet, EUA, Inglaterra)

10 janeiro 2009

Depois do Natal

(continuação When I was a child)

(Feliz Natal, Brasil, 2008). Do aspecto um tanto pueril da relação crítico-espectador com o filme, não próximo do clichê "crítico é um cineasta frustrado" e nem tão distante do popular "se sabe, então faça melhor":

Quero dizer que Selton Mello entrou nesse espírito em sua estréia como diretor. Em Feliz Natal senti a ansiedade de um bom ator em realizar algo que correspondesse as suas próprias expectativas (coisas de gosto pessoal), embora a experiência deixe alguns vestígios de um cinema incompleto e de pouca maturidade.

Desde o início do filme os planos incomodam visões acostumadas com campos limpos. A câmera passeia por detrás de objetos com a naturalidade de um ator disposto a inovar — correr riscos: pequena herança do filme-orgulho O Cheiro do Ralo? Do mesmo modo, cria situações em ambientes fechados com planos contidos em rostos e mãos: características típicas de uma inquietação cinematográfica.

E se precisamos falar do maior erro de Feliz Natal, este cabe aos roteiristas (o próprio Selton e Marcelo Vindicatto). A trama se mostra fraca com personagens explorados pelas imagens em alguns momentos bem fotografadas (Lavoura Arcaica também ecoando?), mas pertencentes a um enredo perdido.

Leonardo Medeiros faz Caio, dono de um ferro-velho imageticamente bem explorado. O local funciona como metáfora de sua presença incômoda aos familiares na noite infeliz.

“Ferro-velho?!”. Esta é a reação de quem lhe ouve dando notícias de uma vida pacata, a qual observamos pela janela de sua casa sob cortinas que não nos impede de perceber os cuidados da esposa a um marido perturbado por uma morte acidental. Pelo contrário, só atrapalha. Perturbação também ilustrada por amigos da antiga o carregando para a farra, ida ao cemitério e alucinações em ruas desertas.

Além disso, com a família que passa o natal pelos cômodos da casa ocorrem situações individuais e ao mesmo tempo coletivas de sofrimento e infelicidade, ora de quem vive, ora de quem observa. As crianças parecem estar um tanto alheias a essa desarmonia. E ainda posso falar da anêmica atuação delas em diálogos também medíocres.

Darlene Glória como Mércia ocupa a tela com movimentos corporais numa dança nervosa de dedos , copos e tecidos, ao som de uma trilha monótona e desesperada pelos pontos altos dos closes. De Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under the Influence, 1974), de John Cassavetes, Feliz Natal poderia ter mesmo refletidas as influências da interpretação de Gena Rowlands, se não fosse o pecado do excesso na combinação entre trilha sonora, fotografia, decupagem e edição.

Mas é bom evidenciar que a referência a Cassavetes não é clara em Feliz Natal. Selton apenas declarou em entrevistas que foi deste diretor os filmes que recomendou aos atores, também livres para improvisações.

Outra influência bastante citada desde a pré-estréia de Feliz Natal é a diretora argentina Lucrecia Martel, dos filmes O Pântano (La Ciénaga, 2001) e A Mulher sem Cabeça (La Mujer Sin Cabeza, 2008). Esta comparação estaria um pouco mais clara em relação à composição e à temporalidade das cenas de O Pântano. Mas, o primeiro filme de Selton ainda está distante de alcançar o magistral primeiro longa-metragem de Lucrecia.

Logo, sinto que Feliz Natal antevê filmes mais bem acertados de um Selton que está se preparando a não seguir convenções e a se diferenciar. Pena mesmo que em 2008 ainda não tenha feito as melhores escolhas para fazer o que ele sabe que é bom.

09 janeiro 2009

When I was a child

O Cão Andaluz, Luis Buñuel, 1929.

Sempre pensei que antes de alguém se atrever a fazer uma crítica de algum filme com propriedade seria necessário um conhecimento técnico advindo da prática, que, para mim, deixo claro, é outro atrevimento. Mas isso quando eu era criança e cinema era lugar de comer pipoca — e hoje tem até cinema que proíbe. Mas, de fato, sinto-me mais aguerrida a comentar os atrevimentos alheios após ter sofrido um pouco na pele quando me vi escrevendo roteiro, dirigindo e editando.

Prestar atenção nos detalhes técnicos, confesso, cansa (embora seja um ótimo exercício), mas é algo que fica automático. E desse modo, raras sessões são puras imersões no ambiente fílmico. Então quando berenice vai ao cine e esquece que está assistindo a um filme eis mais um marco em sua dolce vita. Idiossincrasia, para mim, portanto, é a palavra-chave para eu me negar a discutir se um filme é bom ou não. ‘Mundo pós-moderno etc.’, ‘Tudo é relativo etc.’

Por exemplo: de um Meliés encantado com as possibilidades de uma câmera, passando por um Bergman fascinado com diálogos densos e ricas interpretações, a um Buñuel que nos apresenta roteiros consistentes, temos um breve passeio pelas escolhas que fazem um filme. Quando o digo, aponto para as estruturas que de parte evoluem a todo. Le Diable Noir (vídeo abaixo), Persona e O Cão Andaluz, por exemplo, percorrem caminhos diferentes e pouco perdem um para o outro.


(...)

01 janeiro 2009

He's gotten inside so many psyches


'The only truly natural things are dreams wich nature cannot touch with decay'*



*I'm Not There, Todd Haynes, 2007, EUA e Alemanha.



, Federico Fellini, 1963, Itália e França.

As baratas de 2008



Aspas, barras e parênteses pela tentativa de disfarce da fobia descomedida de Berenice:

Exploração da 'catarse fóbica' e/ou realismo (?).

Ranking:

1. Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins.

Vence pela brilhante participação de inúmeras espécies do asqueroso artrópode.

2. Nome Próprio, de Murilo Salles.

Uma Leandra Leal cropológica, um prato de comida abandonado e uma tela de cinema para o super close nas antenas, patas e casco.

3.Wall-E, de Andrew Stanton.

Hal (sim, homenagem bem feita) é pueril, faz "pim-pim" e só falta voar (imagem acima).

4. Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, de Tim Burton
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Se não aparecessem, falaria que só faltariam baratas no filme.