10 maio 2010




(The Imaginarium of Doctor Parnassus, 2009, EUA). Ressignificar imagens já seria, por si só, um trabalho natural de todo cineasta. Ao menos, aos que prezam por significantes e aos que, em símbolos, contam histórias pelo subtexto que mascaram por detrás da realidade fílmica. Entretanto, em comparação a filmes ditos fáceis e relativamente simples, alguns se destacam pela valorização extrema da linguagem visual. A força da imagem aparece em larga escala em filmes de Tim Burton, por exemplo, mas, ainda assim, não representam mais do que um estilo, mais do que um elemento estético de conceituação. O que Terry Gilliam faz em The Imaginarium of Doctor Parnassus, no original, tem precedentes, claro — talvez até mais nas artes plásticas —, mas no cinema é algo que sempre se define como um diferencial estilístico. E não são apenas cenários, maquiagem e figurino que dão brecha a tal afirmação.


O consciente-inconsciente do Dr. Parnassus, ancião do grupo teatral, é composto pela profusão de elementos reconhecíveis e nomináveis, porém, em condensação. Não é algo que mereça classificação. Para longe de maniqueísmos da imagem, o desconforto é causado no primeiro instante em que belo e esquisito entram em choque no mundo imaginário. Apesar da visita ao paraíso infernal da mente, Gilliam faz questão de mostrar a imersão no irreal como uma panacéia. Não à toa, Parnassus recebe o título de doutor.

Terry Gilliam parte de referenciais que permeiam a linguagem teatral e a surrealista. Elas dialogam entre si, apesar de representarem dois mundos: o real e o imaginário, cuja posse é única, mas penetrável. O longa traz uma trupe vaudevillesca em crise de público. A atração, não mais tão atrativa, é o transporte para o mundo surrealista de Gilliam. Sim, do diretor. Por mais, que fique claro a quem pertencem os devaneios invadidos por espectadores, o mundo irreal do filme é algo que jamais poderá se distanciar das idiossincrasias de quem a projetou. Não fica claro se Parnassus tem total controle sobre sua mente. E o que temos, aqui, é um universo que causa estranheza, um certo incômodo. O nonsense também está presente e em sublinhas se assemelha ao do grupo Monty Python, cuja fundação tem dedo de Gilliam.

O convite à subversão da realidade é feito pela jovem de beleza genuína interpretada por Lily Cole, um anão, o já mencionado senhor protagonista e um rapaz. Todos formam o grupo itinerante, que ganha um reforço com o personagem de Heath Ledger. Após sua morte, a substituição feita por três atores (Colin Farrell, Jude Law e Johnny Depp) se justifica como uma boa saída. Também não é lá muito difícil alterar formas quando o jogo fílmico se baseia na constante movimentação.

Uma figura diabólica, com a qual o doutor faz um pacto, se afirma como elemento estopim da trama — e de pequenos estopins o filme está cheio. A todo momento, O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus vivencia um novo clímax. Tamanha impulsão só é esclarecida por Gilliam e seu co-roteirista Charles McKeown como objeto narrativo. Talvez não haja mesmo mais do que uma trama a ser orientada em prol de críticas à exploração da própria imagem, a exemplo de celebridades, e ao consumismo. É com sutileza que o diretor o faz, embora o clima do filme se mantenha como caótico desde o início. Coerente.

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