03 maio 2009


(Pas sur la Bouche, 2003, França). Divertido Alain Resnais na direção de Beijo na Boca, Não! Versatilidade etc. Algumas belas minúcias de uma comicidade que vai do fino ao escrachado caricatural. Interessante como o musical evolui de tal forma a sugerir Resnais desprendendo-se de si mesmo.

02 maio 2009


(La Belle Persone, França, 2008). Com bom ritmo de silêncio nos diálogos, A Bela Junie conta a volatibilidade dos casos amorosos que posso até arriscar a dizer que sensualmente. Modo permitido pela sutil direção de Cristopher Honoré. Anne Seydoux interpreta Junie também com tamanha sutileza que as outras histórias paralelas à principal não são ofuscadas, complementando-se num jogo intrínseco de pequenas histórias, tais como paisagens a fim de contextualizar a trama. Com elementos que já vimos nos anteriores Em Paris e Canções de Amor, este não veio para marcar inovações, mas para acrescentar um Honoré válido pelas investidas em campo sonoro e imagético, sem muito incômodo.

30 abril 2009


(Stellet Licht, México, Holanda França, Alemanha, 2007). Pela simplicidade do próprio filme, que demonstra pouca ambição do diretor Carlos Reygadas para além da contratação de não-atores, não consigo me estender em comentários que poderiam ultrapassar a aura de Luz Silenciosa, filme contemplativo com um bucolismo encarnado de olhos reclinados.

19 abril 2009


(Man on Wire, Inglaterra, EUA, 2008). Do ponto de vista de alguém com o pé no chão, Phillipe Petit, O Equilibrista, andava sobre o ar, na mesma altura dos telhados e pistas de pouso dos prédios, pela ilusória transparência da corda que testemunhava seus calmos pés. O documentário traz imagens gravadas durante momentos como esse que faziam espectadores ao acaso bambearem entre perplexidade e contemplação. É uma bela vista — e acho que o filme não pretende passar disso — a coragem enaltecida como tal, que tange a liberdade e ao mesmo tempo a prisão do vou-e-não-volto-mais-atrás. Do diretor James Marsh, O Equilibrista traz também cenas ilustrativas (encenações em terra firme, é claro) dos depoimentos dos cúmplices e ajudantes do aventureiro mor. Cenas que dão um que de filme francês.

O filme vale também como documento das imagens do World Trade Center, ainda em construção. As torres gêmeas, enfatizadas na sinopse e estendidas em cenas de momentos tensos por entre a centena de andares, acabam se tornando protagonistas ao longo do documentário, tamanha sua simbologia dentro do sonho do equilibrista. Se ele se considerava um peculiar passageiro pelas torres, hoje as vê com o pano de fundo ainda maior da efemeridade. Tempo e História.

09 abril 2009


(Che - El Argentino, França, Espanha, EUA, 2008). Se antes achava que o subtítulo desta primeira parte fosse incoerente com a história retratada no período de luta armada em Cuba, agora penso que o uso faz-se totalmente coeso com o que assistimos na tela. Espera-se no mínimo uma retratação de momentos durante ou imediatamente pós diários de motocicleta, que se encarregaria de mostrar as motivações do revolucionário, e no entanto, encontramos Che já pronto, armado, para a luta contra as mazelas cubanas. Começa-se desde então a ressaltar sua personalidade coletiva, que excede os limites territoriais, trazendo o título para a ideia: o argentino que está lutando por Cuba. Uma singela forma de mostrar quem foi Che, de um jeito que foge da exaltação comumente vista em torno da figura de Guevara.

E é aí que Steven Soderbergh se destaca. A impressão que tive é de que até mesmo um leigo em fatos históricos relativos ao período assistisse ao filme, ele não sairia com uma imagem romantizada e heróica do carinha da boina, porque ele não vai encontrar acentuado destaque para o lado afetuoso e generoso de Guevara, com suas famosas frases e demonstrações de amor pelo próximo – não é a toa que a imagem de seu corpo morto foi comparada com a de Jesus Cristo.

O filme vai além, principalmente quando se utiliza do tom realista, quase documental, que permite um escape de modelos hollywoodianos tão banalizados em cenas de ação e aventura. Temos ainda os outros personagens representados com importância se não igual ao menos próxima de Che, que claramente está subordinado ao comandante Fidel Castro. A atenção aos detalhes históricos faz-se presente, e tudo isso acaba fazendo de Che – O Argentino uma forma de humanizar a figura de Guevara. Não posso falar que ‘desromantiza’, mas o contrário também não faz. E é por isso que humaniza.

07 abril 2009


(Happy-go-lucky, Reino Unido, 2008). Faltou sutileza ao filme de Mike Leigh, também escrito por ele. A tentativa de Simplesmente Feliz em transmitir a lição de vida do tipo 'sorria, a vida é bela' torna-se um exagero pela interpretação de Sally Hawkins. Damos créditos às piadas, à excentricidade, ao cômico e até ao grotesco figurino, mas desconfiamos da necessidade de se fazer uma personagem com trejeitos de retardamento mental. Há como desfrutar de uma meninice aos trinta sem marcar a diferença, dizer a que veio com apenas nuances que os diálogos fazem em alguns momentos. O problema não é a ausência de algo, mas o apelo ao over. Cativante? Sim. Mas até que ponto a identificação com a personagem não se dá por uma certa pena do espectador por seu jeito desastrosamente diferente?

30 março 2009



(Entre les Murs, França, 2008). Há agora um certo cuidado ao escolher cada palavra para falar de Entre os Muros da Escola. As críticas que havia lido antes de assisti-lo não me convenciam de que eu realmente veria o que assisti hoje por pouco mais de duas horas. Tempo suficiente para eu me tornar uma presente observadora da classe do professor François, de uma escola pública francesa.

Longe de se engalfinhar em estereótipos, o longa de
Laurent Cantet nos leva para o ambiente de estrondoso e magnífico realismo, tanto pela sintonia entre os atores, que aqui prefiro me referir como personagens, quanto pela estética construída por planos que vão e vêm entre rostos na altura daqueles que estão sentados.

Mesmo o espectador encarando os personagens de igual para igual, há um certo distanciamento que o leva a encará-los como rebeldes e abusados perante o professor de francês bem intencionado e ainda cheio de fôlego para lidar com os jovens traquinas. Esse adjetivo pode soar debochado, atribuindo um aspecto equivocado aos meninos e meninas que muito além de simples desordeiros de aula, expõe seus problemas de origem étnico-social. Traquinas porém, em muitos momentos, é o melhor modo de classificar as risadinhas fora-de-hora que se entreouve em meio à seriedade dos mestres.

Entre les Murs discute a valorização das diferenças num espaço em que a igualdade é o objetivo maior. Isso fica claro com as correções das gírias que os estudantes teimam em usar e o prof. insiste em reprimir: aula de pedagogia para os espectadores, com o mérito de ser um filme desprovido de burocrático didatismo.

Com ausência de trilha sonora, já o clima inicial pressupõe que a história dos professores e seus alunos escapará do 'heroicismo' escancarado visto em Sociedade dos Poetas Mortos, filme que depois de Entre les Murs, muito bem poderia deixar de ser referência unânime quando o assunto se tratar de valores éticos e educação.

04 março 2009

Brevemente, Oscar 2008

Berenice preferiu o resultado do Oscar de 2008, mas enfim, é o Oscar. Rápidas impressões de quem não quer mais perder muito tempo com os poucos filmes assistidos com alguma indicação ao Oscar deste ano:


Quem Quer Ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, Danny Boyle, 2008, EUA/ Inglaterra). Um roteiro menos absurdo para um diretor mediano, por favor.





Milk - A Voz da Igualdade (Milk, Gus Van Sant, 2008, EUA). Van Sant deve saber que Milk não é um de seus melhores filmes, embora seja um trabalho para o qual não abre muito a mão de suas marcas cinematográficas. A estatueta a Sean Penn o conforta pela derrota para Danny Boyle.



O Leitor (The Reader, Stephen Daldry, 2008, EUA/ Alemanha).
Acho que O Leitor tem o ruim de As Horas e o bom de Billy Elliot. O resultado é um drama insosso que se perde ao longo das mudanças do roteiro. Cenas bonitas esteticamente não bastam, mas não se pode desconsiderar a interpretação de Kate Winslet.



O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, David Fincher, 2008, EUA).
Deve ser a minha implicância com adaptações de textos metafóricos, como com Ensaio Sobre a Cegueira: a história parece valer mais do que o filme.




A Troca (Changeling, Clin Eastwood, 2008, EUA).Um filme tem certa visibilidade para Hollywood a ponto de indicar Angelina Jolie ao Oscar de Melhor Atriz, certo? Sendo assim, o porquê de o longa de Clint não ser ao menos indicado ao de melhor filme é a dúvida que fica ao final da sessão.



Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, Sam Mendes, 2008, EUA). Há um certo receio de assistir ao casal Titanic desta vez em um filme do mesmo diretor de Beleza Americana. Para um espectador sem muitas expectativas, o filme até que surpreende.


O Lutador (The Wrestler, Darren Aronofsky, 2008, França/ EUA). O maior mérito do filme está na união do contraste da sensibilidade escorrer aos montes de um enredo aparentemente bruto e seco.




Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Night, Christopher Nolan, 2008, EUA). Filme aclamado, ator aclamado e homenagens póstumas não iam realmente impedir a estatueta Melhor Ator Coadjuvante de ir para a família emocionada de Heath Ledger.







Trovão Tropical (Tropic Thunder, Ben Stiller, 2008, EUA/Alemanha). Hum... é... tipo... eu vi esse filme? Entre bocejos e cochilos, dá para ver umas cenas de deboche bacaninhas de Ben Stiller com Robert Downey Jr. e Jack Black.




Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen, 2008, EUA). Fácil reconhecer também que não é de seus melhores, mas Allen soube divertir plateias com cenas tonificadas pela personagem de Penélope Cruz, principalmente. Barcelona...



Wall-E (Wall- E, Andrew Stanton, 2008, EUA). Incrivelmente bom com elementos de fábula e doses de reflexão. Talvez seja demais para crianças que vão apontar para Kung Fu Panda (Kung Fu Panda, Mark Osborne e John Stevenson, 2008, EUA) e pedir sacos de pipoca.

08 fevereiro 2009

Os fatos não penetram no mundo em que vivem nossas crenças*

(Andarilho, 2006, Brasil). Pouco me lembro dos sonhos advindos da sonolência em que caí após fazer mais uma leitura de páginas de Proust*, mas me recordo de imagens e sensações oníricas que me fizeram vir à memória a minha última sessão de cinema no Cine Arte UFF. Dos efeitos do sono pouco se tem proveito, visto que as recordações das histórias são, em geral, um esforço psíquico que tende a se perder em divagações. Talvez nem este primeiro parágrafo também faça muito sentido, tamanha minha vontade em expressar as sensações de se acordar com um filme na cabeça e escrever sobre o mesmo minutos após as ligeiras impressões sobrevindas ao despertar.

Pode ser pelo fato de eu ter adormecido com palavras contemplativas à natureza que tenham me saltado aos olhos passagens que funcionariam muito bem como ilustrações de um livro de Proust, caso vivesse ele no Brasil, mais precisamente no interior, nas linhas das estradas que cruzam o país. O filme que justifica a prolixidade de quem vos escreve é Andarilho, do qual foi diretor, editor e fotógrafo Cao Guimarães.

O documentário presenteia os olhos com belíssimos planos observacionais, que faz das coincidências uma realidade que paralisa o espectador entre a liberdade e a crueldade como justificativas pelo andar sem rumo. Motivos estes não explicitados pelos personagens em forma de depoimento, ainda bem. A opção de Cao faz bem-vindos pensamentos e contemplações das caminhadas daqueles que podem estar ali por qualquer causa, talvez especulada por interessados em entender as dinâmicas sociais.

A antropologia e a filosofia hão de dar conta (?) do entendimento de uma pessoa que poderia ser somente aquela que vaga sem rumo, como um ser pensante que põe em dúvida a própria consciência, de maneira que a loucura aparece também como elemento essencial à compreensão do modo de vida. Além disso, quem disse que eles vagam sem rumo, ou como ainda dizem clichês, sem direção? Temos sempre um ponto de chegada? Quem desiste do rumo é louco por que faz do vagar uma opção de existência ou quem desiste do rumo é o louco que faz da vida uma opção? Ou ainda, será que não o faz obrigada por circunstâncias quaisquer? Pode mesmo ser considerado louco? E vagar seria a melhor forma de nos referirmos às ações deste?

Andarilho pode não conter respostas para as perguntas que evocam espaços meditativos das cenas que vemos passar. Somos espectadores privilegiados por temos a oportunidade de assistirmos a um registro daquilo que passa distraidamente por olhares apressados nas estradas. Nos é permitido o dom de descobrir a sabedoria que muitos escondem atrás de seus sacos de lixo, carroças improvisadas, farrapos de roupas e silêncios quebrados pela própria fala solitária no meio de onde a maioria corre com destino certo. Quando a câmera passeia pelo asfalto em ângulos singulares, andarilhos podemos ser nós por alguns instantes de ilusão. Razão que o tempo dá. Fruto adverso do que se vê na tela.

06 fevereiro 2009

Mais uma vez o pretexto natalino

(Un Conte de Noël, França, 2008). Silêncios preenchidos por olhares, diálogos curtos e secos entre uma família que se reúne desde antes o 25 de dezembro dão o tom de Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin. A data é ressignificada ao tematizar conflitos entre irmãos, primos, pais e filhos, num jogo de cenas fluidas que levam a todos a pensar que, apesar de tudo, há um problema maior: o câncer de Junon.

Desplechin tem uma minuciosa direção de cenas e principalmente o cuidado de destacar nuances do bom elenco. Destaque para a interpretação de Catherine Deneuve. Sua personagem Junon tem um ar de superioridade matriarcal, de uma mulher que beira a imponência, mas sem ser rude ao extremo. Também não passam despercebidos Mathieu Amalric, que interpreta o filho malquisto Henri, e Jean-Paul Roussilon, com Abel, personagem-dosagem para as inconstâncias internas dos outros.

Sem apelos ao suposto drama da doença, a história tem substância, charme, humor, como no momento em que Funia, a namorada de Henri (interpretada por Emmanuelle Devos) chega a casa e lhe atribui mais uma atmosfera de indiferença explícita a partir de diálogos que Desplechin não deixa cair em tom absurdo, tal como "Eu tenho câncer", "Eu sei (sorriso no rosto)". Ou ainda, quando, com naturalidade, mãe e filho admitem que não se gostam.

Há também crianças, do modo espertinhas e fofas a conversar com os adultos problemáticos. Não há exagero em categorizá-las num ritual de compensação à tensão provocada pela compatibilidade de medula do neto esquizofrênico, frente à mesma condição de Henri, que manifesta sua apatia ao se referir ao menino como "louco".

Escolher o natal para mostrar as imperfeições de uma família deu certo com Desplechin, com Selton não, mesmo com um roteiro arriscado de subtramas que são trazidas à tona durante as duas horas e meia de filme; mesmo com cortes e cenas que vez ou outra soam esquisitos; mesmo sendo feito (ou 'até porque é') para ser visto e revisto. E se já usei a palavra 'atmosfera', fico à vontade para empregá-la mais uma vez ao me referir a Um Conto de Natal, que nos dá a boa sensação de assistir a um filme diferente, acertado e coerente ao construir uma atmosfera sinestésica, sem ficar a parte do tal espírito natalino.