18 fevereiro 2010




(The Time That Remains, Inglaterra, Itália, Bélgica, França, 2009). O Oriente tem revelado sua face cinematográfica de um jeito bastante avesso ao universo hollywoodiano. Enquanto conquista uma legião de cinéfilos interessados nas formas simplistas de uso da imagem, também se categoriza para outra grande parcela de espectadores como um cinema de filmes pouco acessíveis em termos de inteligibilidade e aceitação — quando muito, deste lado do muro, uma aceitação comedida  demais a ponto de eleger como grandes preferências diretores como Apichatpong Weerasethakul (Síndromes e um século), Jia Zhang-ke (Em busca da vida) e o diretor de O que resta do tempo, Elia Suleiman.


Seja batido ou não, é difícil deixar de utilizar o termo "cinema de autor" para fazer referência ao filme, pois seria ao mesmo tempo uma perda de oportunidade de enquadrar o trabalho de Suleiman num cenário de cinema político, que cresce em variedade de pontos de vista e leva junto a ressignificação da imagem e do verbo — o que o próprio Suleiman chamou outrora de democracia, referindo-se à chance de oferecer diferentes interpretações em suas obras. Nos premiados Chronicle of a disappearance (1996) e Divine intervention (2002) e, não diferente, em O que resta do tempo, o diretor expõe em tom desconverso aflições de sua origem — de palestino radicado em Israel.


Embora se afirme que seus filmes sejam autobiográficos — o que, no âmbito do cinema em geral, é, na prática, uma redundância — Suleiman utiliza acontecimentos de sua vida como ponto de partida para amplificar temas inerentes tanto ao Oriente Médio e suas restrições sócio-políticas, bem como à tensão Ocidente X Oriente. Um menino que abaixa a cabeça com a repreensão do professor "quem lhe disse que os EUA são imperialistas?" representa em parte essa aproximação do diretor com a audiência externa à zona de conflito entre Israel e Palestina.


O tempo todo extrapolando o realismo puro que a disposição dos elementos cênicos poderiam propor a olhares desavisados — é importante entrar no universo de Suleiman com conhecimentos prévios sobre sua obra, seus artifícios e sua intenção mais genérica — o filme se lança num mundo de simbolismos e códigos sugestivamente críticos ao poder imposto e à redenção de um povo com um humor pitoresco. Desse modo, sua hostilidade, caracterizada pelo olhar e silêncio do Suleiman ator, dilui-se a ponto de passar despercebida com facilidade.


Aquele Suleiman que começou Divine intervention esfaqueando um Papai Noel é o mesmo que, neste seu último filme, salta um muro com uma vara. Um muro que certamente representa a construção que separa o Egito do território palestino da Faixa de Gaza, mas que também pode ser entendido como desejo pela liberdade. Este é o mesmo mote de outra cena que traz um tanque que movimenta o cano de descarga de explosivos na mira do rosto de um homem, que transita de sua casa para a rua. Os movimentos do tanque se assemelham aos de uma câmera de vigilância, que, sem atacar, apenas persegue com a ameaça iminente de uma explosão. Momentos como este, que partem de um referencial mais contemporâneo, integram a parte do filme que mostra Nazaré hoje, na visão de Suleiman e seus pais. O que resta do tempo termina nesse amadurecimento (questionável) da cidade, também retratada no longa em três outros episódios: 1948, 1970 e 1976.


Uma guerra que não acontece, pela licença poética de sua não-representação, transforma o combate de Suleiman numa guerra fria — embora todos os artefatos militares estejam a postos. Não é em vão que milicos e civis numa encenação quieta causam inquietude.


Em suma, se as provocações do filme não atingem o espectador de imediato talvez seja necessário uma segunda ou terceira imersão — um estudo de sua filmografia revelaria então um aprofundamento na História contada por partes que, no fim, evoluem a todo.

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