27 agosto 2009


(Elle s’appele Sabine, França, 2007). Um documentário tão contrastante que pode ser tocante de diferentes formas. O Nome Dela é Sabine é um filme sobre atenção, cuidado e beleza, por trazer uma personagem tão especial e tão próxima de Sandrine Bonnaire. A diretora compilou imagens filmadas há mais de vinte anos às gravações da irmã em seu estado de autismo atual. São nesses cortes que surge a indagação sobre o que de fato consideramos belo. O olhar penetrante de Sabine arremessa para uma imersão acompanhada de apreciação, com um tempo tal como Baudelaire teoriza sobre amores momentâneos. E logo depois já se está de volta em outra dimensão temporal, mais real e de difícil aceitação. Sandrine nos apresenta Sabine em close, com olhar perdido e face sem expressão. Momentos de seu cotidiano na casa onde moram mais duas pessoas com a mesma doença chegam a ferir com o porquê desmedido pela médica de bom senso: ela não define autismo e descarrega ainda mais subjetividades para falar do que poucos entendem. Somente sentindo o teor da incomunicabilidade para se compreender uma pessoa que Sandrine pretende mostrar como tangível.

22 agosto 2009


(O Contador de Histórias, Brasil, 2009). Uma boa dose de lirismo extraída de uma história baseada em fatos reais. Mas de que realidade estamos falando? Se for externa ao filme, sabemos o quão grave é o sistema da Febem. Agora, que tipo de consistência Luiz Villaça dá à trama de uma pedagoga francesa que vem ao Brasil fazer uma pesquisa sobre essa realidade, e que encontra um menino para objeto de estudo e acaba o adotando? É engraçado. É engraçado? Há persistência em arrancar de nós, espectadores, risadas ou provocar encantamento a partir de moralismos bobos, e fica nisso: uma biografia contada pelos percalços, que chega ao final feliz da superação. Fatos reais, eu sei. Mas falo de modos.

E as atuações... um elenco que representa muito mais do que interpreta. Que tipo de emoção tem uma cena de assalto feita por um ator que externa amadorismo? Direção de atuação em baixa. Cenas que não convencem mesmo. Mas sabe quando o todo se salva por uma parte e os 'com ressalvas' e 'há exceções' acabam sendo as expressões-chaves para se bufar ao fim do filme? Pois então, O Contador de Histórias se enquadra nessa, porque é um filme assistido com brevíssimos aplausos – a interpretação de Maria de Medeiros é a principal responsável por isso -, mas com muitos incômodos.

11 agosto 2009


(Coração Vagabundo, Brasil, 2008). Documentário cosmopolita do provinciano de Santo Amaro, Coração Vagabundo talvez funcione tão bem porque tem a cara de Caetano. Fernando Grostein Andrade o acompanha pelas calçadas e ao mesmo tempo se preocupa com os tipos ao redor: enriquece e eleva o filme ao status de um casamento de contradições com o pano de fundo da coerência entre ideias livres.

É Caetano em sua nova fase de Brasil lá fora, longe dos clichês de acarajé baiano, praia carioca ou avenida paulista, mas perto pelo sotaque, pelo jeito, pelos pensamentos prosaicos nas ruas de Osaka e Nova York. Também pelas andanças em ruas luminosas, pelas cenas urbanas de gente comum. Mas como é Caetano, que não fala (só) para os populares, também integram o elenco pessoas como Michelangelo Antonioni, Pedro Almodóvar e David Byrne. Sempre dá um up documental filmar estrelas além da estrela, não é mesmo? Um tanto emocionante também. Fácil cair no jogo.

Músicas cantadas em inglês, monge budista pronunciando coração vagabondo, silêncio
italiano de Antonioni, espanhol de Curucucu Paloma no filme de Almodóvar, e os ciúmes de Paula Lavigne de Gisele Bündchen são alguns dos fartos exemplos que afiançam o resto do verso da canção que dá nome ao filme: 'quer guardar o mundo em mim'.

07 agosto 2009

(Moscou, Brasil, 2009). Eduardo Coutinho vem instaurando um cinema de obras sequenciais de aprofundamento, sobre um tema que sempre tratou com minucioso cuidado: a união entre real e ficção. Dissociação desses dois? Não! Cada vez fica mais claro que são complementos entre si. É justamente essa associação que provoca as problematizações apresentadas em Jogo de Cena e agora em Moscou. O filme faz, mais do que dialogar com o de 2006, destrinchar resquícios para a abertura do tema: é esse o maior mérito. Com Moscou nem o próprio Coutinho consegue superar Jogo de Cena, só estender.

Na cabeceira da mesa temos Coutinho e o diretor teatral Enrique Diaz em gestos de convite aos atores do Teatro Galpão, para a leitura do texto da peça 'As Três Irmãs', de Tchekov. São cenas enquadradas a bem dos significados, provindos de interpretações em um espaço cênico vazio. As encenações extrapolam os sentidos da peça de Tchekov, deixando 'As Três Irmãs' como história secundária à intenção de Coutinho em questionar a verdade, a partir da sublinha, da conotação metalinguística. As câmeras aparecem, sim, e qual o problema se o jogo está mais do que aberto em um palco?

O filme é causador de um fluxo constante de interrogações que dialogam com a obra-prima que antecede a este que lhes rendeu mais de quatrocentas horas de gravação. Seleção e edição cruciais. E é exatamente por não estar falando somente de formas, mas de significados, que a obra Arca Russa (Alexander Sokurov, 2002) e Moscou se aproximam quanto à experimentação de sobreposição e fluidez de cenas. Daqui a alguns minutos, perpassarão mais alguns experimentais...

Fora isso, a adaptação da peça para um texto que caiba nas bocas e nos tipos dos atores nos traz uma universalidade às avessas, a exemplo de cenas com atores cantando música de Roberto Carlos e hino de Divinópolis.

Mais uma vez temos não só personagens: somos contemplados com rostos, pessoas, histórias, vida. Cada início e fim nos remetem a essa constatação. A saber, o fim de cada cena é um corte desrepeitoso à continuidade, mas carregado de energia para o próximo exercício, para até depois do último minuto de filme, anunciado pela voz impestuosa do diretor. É um filme interessante, sem muito para ser superestimado.

05 agosto 2009


(Loki - Arnaldo Batista, Brasil, 2008). Uma produção do Canal Brasil em projeção digital: Loki - Arnaldo Batista é um típico documentário televisivo com o mote da homenagem ao artista vivo. O que há de novo neste filme que soma-se aos do gênero relaciona-se às escolhas do foco de conteúdo. A história de vida de Arnaldo é intercalada com pinceladas suas em um quadro que serviria de conarrador. Mas a secundarização desta narrativa, jogada para segundo, terceiro plano, é inevitável, uma vez constatada a sua relação com a banda que formou com Rita Lee e Sérgio Dias.

A maior energia de Loki está em Mutantes, está nas expressões e na voz de Rita, mesmo sem ela aparecer em nenhum momento para depoimento. Assim, tentam compensar sua ausência em imagens de arquivo e, por um instante, o documentário é sobre ela (fica o gostinho de quero mais, aliás). Mas não dá para ficar imune ao pensamento de que o primeiro longa de Paulo Henrique Fontenelle tem um objetivo: evitar que se admita que Arnaldo Batista foi esquecido, sendo um cantor que fez parte de um movimento único do Brasil, a Tropicália, sob a alegação da loucura ser estritamente normal.

Mas a carreira solo de Arnaldo Batista dá conta de manter e abarcar tudo o que até hoje representa os Mutantes? Há espaço para expôr as atitudes erráticas de Arnaldo mais para fugir do rótulo de hipocrisia, porque de repente... Não! Não foi esquecido! Grita o filme. O que ele quer nos provar é que Arnaldo é reconhecido, com o ar de desde-sempre-e-sempre-será, como símbolo de irreverência e originalidade. Olhares para a câmera denotam um pouco isso.

Junto
com a necessidade de comparar o rock brasileiro com o dos Beatles, é argumentando com depoimentos que vão do anônimo transeunte norte-americano a Kurt Cobain, que o filme tenta criar uma certeza. No entanto, o que se conclui ao final é que Arnaldo é Mutantes, e Mutantes é Mutantes mesmo com ou sem Arnaldo.

04 agosto 2009

(Okuribito, Japão, 2008). Esperava seriedade, silêncio e lentidão até assistir à mesclagem de Yojiro Takita de dramas pessoais com cenas rasas de comédia em A Partida. O filme tem um toque realista distinto dos clássicos orientais, mas semelhante ao de muitos filmes que trabalham explorando a emoção. O personagem principal perde o emprego na orquestra em que toca violoncelo, procura outro nos classificados do jornal e acaba na atividade de embalsamador de defuntos. Essa é uma das várias tramas em paralelo: tem no mínimo três eixos subjetivos, que se dividem em flash backs e tiradas cômicas. Também acho que há uma perda de foco ao lançar mão de numerosas cenas de corpos sendo embalsamados. Quase um curso ao espectador. Melodioso (falei no violoncelo, não falei?), é repetitivo até nos créditos, quando o curso continua.